Quer impactar o mundo? Comece pela sua equipe.
É sempre um problema. E você não vai conhecer quem discorde disso. A rotatividade no mundo do voluntariado é uma eterna preocupação. Transformar a sociedade é um sonho, mas fazer isso acontecer nem sempre é tão simples. Na Enactus UFPE, isso não poderia ser mais frustrante: pela complexidade dos nossos projetos, as pessoas sempre levavam um bom tempo preparando-se para atuar, mas constantemente saíam do time antes de estarem prontas para contribuir como sonhávamos.
Havia muitas razões para isso. Algumas pessoas percebiam que não era o que queriam, algumas só cansavam de “trabalhar de graça” e por aí vai. Mas com o passar do tempo, percebemos que algumas equipes do time duravam mais que outras. Ainda: elas não só tinham uma rotatividade menor, como também geravam mais valor por membro que as demais! Começamos a investigar as causas disso e, em pouco tempo, ficou nítido:
O desempenho das equipes era diretamente afetado pela maneira como a liderança estava sendo exercida dentro delas.
Isso pode parecer óbvio, mas não é. O que a liderança afeta, na verdade, é o clima organizacional, e é esse último que influencia os resultados. Para ficar mais claro, um número: de acordo com a Harvard Business Review, o clima (sozinho) pode influenciar em até 1/3 os resultados da empresa — e no time não era diferente. Entender como diferentes estilos de liderança impactam as equipes pode ser a diferença entre triunfar e sucumbir. E essa foi a primeira coisa que descobrimos.
Desse ponto em diante, nossos olhos se abriram.
Começamos a identificar em nosso próprio time os grandes estilos de liderança que a pesquisa da HBR indicou. Dentre eles, três se destacavam nas nossas melhores equipes, e sua influência era nítida demais para que pudéssemos ignorar.
O primeiro vinha da Presidência. Era o estilo afetivo. Na época, contávamos com uma presidente extremamente carismática, que contagiava todos os diretores com sua energia.
Líderes afetivos estabelecem ligações pessoais e harmonia, valorizando mais os indivíduos e suas emoções do que tarefas e objetivos.
Com isso, eles conseguem a empatia e a lealdade de sua equipe, o que garante o bom desempenho no trabalho. Não era diferente conosco, e o impacto positivo que isso tinha sobre nossa equipe podia se notar nos mais variados aspectos:
- Nossa comunicação era superior às das outras equipes, porque os laços cultivados pela presidente faziam com que todos da diretoria se gostassem e, por consequência, conversassem mais;
- Éramos mais flexíveis e dinâmicos, pois a liderança não colocava restrições desnecessárias à maneira como trabalhávamos;
- Tínhamos uma disposição maior para inovar e tomar riscos, pois contávamos com o apoio de toda a equipe para testar novas ideias.
Nós irradiávamos disposição. O trabalho da equipe de diretores (diretoras, na verdade, porque eu era o único homem) fluía muito, muito bem. No entanto, os demais membros da organização não compartilhavam da mesma energia, e cada vez mais pareciam afastar-se de nós. Por fim, a rotatividade continuava alta, escancarando que o problema continuava a existir.
Foi numa imersão do time, meses depois, que eu finalmente entendi o que havia de errado. Graças a uma conversa filosófica de madrugada, percebi que a equipe de diretores comunicava-se bem entre si, mas o mesmo não acontecia com o resto do time. As pessoas não entendiam por que muitas das decisões eram tomadas e, consequentemente, não se sentiam parte do processo. E quando se trata de trabalho voluntário, é indispensável que todos entendam que sua contribuição é crucial. Isso fez toda a equipe de diretores começar a adotar uma nova postura: a liderança democrática.
A liderança democrática se caracteriza por construir uma percepção de consenso através da participação de todos.
Incorporamos pequenas mudanças em nossa rotina de trabalho, como divulgar semanalmente quais decisões haviam sido tomadas pela diretoria, expor periodicamente o crescimento de cada área e, nas reuniões gerais, revelar os grandes problemas que enfrentávamos e ainda não tínhamos encontrado solução. Assim:
- Construímos um ambiente de confiança e comprometimento, pois os grandes problemas do time agora eram de todos;
- Elevamos a autoestima dos membros, já que todos podiam participar e opinar ativamente sobre as questões a serem resolvidas;
- Ganhamos insights valiosos e tiramos das costas parte do peso que sentíamos por restringir grandes questões à diretoria.
Com isso, melhoramos bastante. Mas antes de prosseguir, preciso deixar claro que nem tudo são flores, e ambos os estilos carregam riscos. Os afetivos, afinal, por valorizarem mais as pessoas que os resultados, podem terminar passando a ideia de que há uma tolerância com a mediocridade. Os democráticos, por sua vez, correm o risco de cair em reuniões longas e exaustivas se não conseguem manejar bem a conversa na direção de um consenso. É por isso que nenhum desses estilos deve ser usado isoladamente.
Em vez disso, ele funcionam melhor se combinados com o terceiro estilo de liderança: o visionário.
A postura visionária é aquela que mobiliza as pessoas em torno de uma visão e as motiva ao mostrar como cada uma é parte essencial de todo. E essa foi, em parte, a chave para o nosso sucesso, pois já éramos visionários por natureza com nossa comunicação externa — em todas as nossas apresentações, carregávamos a boa e velha “mania de grandeza” do recifense.
Com dinâmicas nas reuniões e um trabalho de endomarketing nos grupos do time, fortalecemos o senso de pertencimento e tornamos claros os objetivos que queríamos alcançar.
Com isso, mais até que em medir resultados, o trabalho da diretoria focou-se em avaliar se a visão do time estava sendo levada adiante ou não, pois os parâmetros de sucesso se tornaram claros para todos.
Isso também impactou positivamente a flexibilidade da equipe, pois os membros começaram e ter mais liberdade para definir como queriam alcançar os objetivos definidos em conjunto. O engajamento da equipe aumentou de uma só vez, e o processo seletivo seguinte mostrou os bons resultados: a saída de membros com menos de um ano de time diminuiu drasticamente.
Tudo bem, ok, diminuímos a rotatividade. No entanto, talvez você ainda esteja se perguntando se isso afeta mesmo os resultados da equipe. Em vez de dizer o que acho, deixarei que você analise os fatos por conta própria. No ciclo em que implementamos essas mudanças, nós:
- Ganhamos o prêmio de melhor projeto de educação da rede;
- Ganhamos um edital e um investimento para o outro projeto do time (tínhamos dois);
- Fomos semifinalistas do ENEB, o mais importante evento para equipes Enactus Brasil;
Será que valeu a pena?
— Felipe Bandeira, Presidente do ciclo 2019–2020, Enactus UFPE